Atos do STF são criticados por jornalistas, entidades e juristas
Criação do programa de Combate à Desinformação e decisões recentes da Justiça brasileira que barraram a veiculação de reportagens jornalísticas é vista como afronta à democracia.
Por: Deise Bach
09 de setembro de 2021
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Jurista Ives Granda sustenta que os poderes têm que dialogar e manter a democracia – Foto: Divulgação/ ND

No mês passado, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, anunciou a criação do Programa de Combate à Desinformação. A iniciativa tem a finalidade de enfrentar os efeitos negativos provocados pela desinformação e pelas narrativas odiosas à imagem e à credibilidade da instituição, de seus membros e do Poder Judiciário. A ação foi criticada por jornalistas e juristas.

Para eles, o programa é visto como uma forma de redução da liberdade democrática, já que coloca nas mãos dos 11 ministros do STF definirem o que é verdade e mentira nos fatos jornalísticos.

“A meu ver isto representa uma redução da liberdade democrática, no mais sagrado direito que é a liberdade de expressão”, disse o jurista Ives Gandra.

“Ele (programa)parte da premissa, de que esses togados, os ministros do Supremo, eles poderiam dar a última voz do que é verdade do que é mentira, em termo de informações até mesmo de ponto de vista científicos”, emendou o jornalista e escritor Rodrigo Constantino.

Segundo o jornalista Alexandre Garcia, o primeiro passo que o STF deveria observar:  o que é informação e o que é desinformação, o que é mentira ou o que é verdade. “Cada um tem a sua verdade. Os fatos são verdades. A grande verdade é o fato que aconteceu, ainda no fato as pessoas dão versões diferentes para ele”, analisou.

O Artigo 5º da Constituição exalta a livre manifestação do pensamento, desde que não vedado o anonimato, porém as decisões do STF, por muitas vezes tem ido na contramão. Há relatos de inquéritos considerados abusivos, quebras de sigilo, censura e prisões arbitrárias.

Uma dessas prisões apontada como arbitrária foi a do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), ocorrida em fevereiro deste ano. Segundo a decisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes, o parlamentar incitou a destituição de ministros do Supremo e exaltou a ditadura militar em um vídeo.

“O ministro, ofendido, sem ouvir o Ministério Público, ele mandou investigar, ele julgou, ele condenou. Portanto, ele assumiu todas as funções do Judiciário”, alfinetou Carlos Alberto Di Franco, professor e articulista do Estadão.

Segundo Alexandre Garcia, o caso de Daniel Silveira é um ponto claro de desrespeito à Carta Magna. “Está muito claro na Constituição, no artigo 53: ‘os deputados e senadores são invioláveis civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, opinou.

Ives Gandra vai mais além. Para o jurista, a iniciativa de prender e manter detido o deputado Daniel Silveira foi uma violência contra a Constituição. “Ele fez prevalecer a Lei de Segurança Nacional antiga sobre a Constituição e aplicou a lei para prender um deputado que teria o direito de quaisquer manifestações. Ele teria que ser punido, mas pela Câmara dos Deputados por falta de decoro, mas nunca pelo Supremo”, criticou.

 

Alfabetização midiática

Os especialistas também contestam, que entre as ações de comunicação do programa está a “alfabetização midiática”, por meio capacitação de servidores, funcionários terceirizados, jornalistas profissionais e influenciadores digitais para a identificação de práticas de desinformação e discursos de ódio e as formas de atuação para combatê-las.

“Alfabetização midiática, ou seja, eu sou o seu tutor. Sob a minha tutela eu vou te realfabetizar. Vou te dar uma lavagem cerebral. Isso é tão usual nos regimes totalitários. É tão velho isso, é tão conhecido”, desaprovou Alexandre Garcia.

Rodrigo Constantino considera que tal medida decreta a morte do jornalismo brasileiro. Para ele, não são os ministros do STF que devem decidir o que é verdadeiro ou falso.

“Quando você pega, jornalistas que devem ter total liberdade para exercer sua profissão, para fazer as perguntas incômodas, para rebater qualquer ponto de vista que seja, e você vai passar por um crivo de alguns iluminados que vão decidir o que você tem que considerar verdade ou mentira, isso é a morte do jornalismo”.

Na avaliação do professor Di Franco, o fato de não se permitir críticas à democracia é uma ditadura. “A democracia se ela for democracia de verdade. Ela, pelo menos do ponto de vista teórico, deve admitir críticas a ela própria. Porque se você não permite que se critique a democracia você está em uma ditadura”.

 

Censura prévia

Não são apenas críticas ao programa do STF que o Poder Judiciário vem sofrendo quanto à liberdade de expressão.  Decisões recentes da Justiça brasileira barraram a veiculação de reportagens jornalísticas e uma afronta ao regime democrático.

As sentenças geraram uma nota de repúdio da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), a Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e a ANJ (Associação Nacional de Jornais) que consideram uma “repetição de casos de censura prévia aplicada pela Justiça brasileira, em total desacordo com o que determina a Constituição”.

“A censura prévia judicial não distingue o tipo de meio de comunicação – televisão, revista e jornal – e tem em comum o fato de privar os cidadãos do direito de serem livremente informados. É lamentável que há tantos anos a censura prévia se repita em nosso país, partindo exatamente do Poder Judiciário, responsável pelo cumprimento das leis”, afirmaram as entidades.

As associações esperam que essas iniciativas de censura sejam logo revertidas por outras instâncias da Justiça, embora já tenham provocado o efeito danoso e inconstitucional de impedir a liberdade de informação. É inadmissível que juízes sigam desrespeitando esse princípio básico do Estado de Direito.

“Nós estamos com quatro casos de censura prévia na imprensa brasileira neste momento. Isso é muito preocupante, é uma afronta claríssima à Constituição Brasileira. Preocupante que juízes brasileiros estejam, com frequência, proibindo a divulgação de informações. Não é opinião, não é nada, não é ameaça à democracia, é informação jornalística, investigação”, disse o presidente da ANJ, Marcelo Antônio Rech.

Fonte: ND+
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